06 maio 2005

Vasco em entrevista

Há certas pessoas que quando falam me deixam angustiadas, não por desmerecerem crédito mas precisamente porque aquilo que dizem de forma tão crua, aguda e provocante poder corresponder à realidade.
Vasco Pulido Valente é uma dessas pessoas: snob, concerteza, mas arguto e inteligente. A entrevista que deu esta quinta feira à revista Visão confirma toda a acidez que demonstra nas crónicas do Público.
O meu desejo era transcrever integralmente a entrevista mas dado o óbvio inconveniente, aqui deixo algumas perguntas (de Fernando Dacosta) e respostas.
(Ao longo da transcrição colocarei [] sempre que necessário para que a entrevista se torne inteligível, dado que a selecção de perguntas e respostas pode parecer fora de contexto).

P: [Está a ler] Algum livro português?
R: Neste momento, um sobre o Eça da senhora que foi agora para ministra da cultura [Isabel Pires de Lima] ou da educação, não sei bem. Um mau livro. De resto, leio pouca coisa portuguesa. Também há pouca gente interessante.

P: Excepto você…
R: Eu escrevo para os jornais e livros de História. Não tenho pretensões.
(…)

P: Do Nobel Saramago não vale a pena falar, suponho
R: Esqueci tudo, e foi pouco, o que li dele…
(…)

P: E de cinema?
R: Sobre cinema não quero falar. Cheira-me que você gosta do Oliveira…

P: Dá-me essa liberdade?
R: Faça o favor. Eu não gosto: o Oliveira é uma mistificação para provincianos.
(…)

[Questionado, agora, sobre o apoio do Estado à cultura e sobre o país]

R:(…) A ambição dos portugueses é um emprego certo, de preferência no Estado, não é enriquecer. Somos funcionário, não somos empresários.

P: Você queria ser empresário?
R: Eu? Não, nunca!

P: Então também faz parte da cultura da pobreza…
R: Pois faço. Até academicamente. Voltei para Portugal por causa da revolução e da democracia, é verdade, mas também por medo de competir lá fora.

P: Tem humildade de assumir isso?!
R: Claro que sim. O mundo académico anglo-saxónico é muito grande, muito exigente, uma pessoa perde-se e afunda-se nele, com toda a facilidade. Aqui, o risco é incomparavelmente menor. Fiquei em Portugal pela segurança e perdi o que talvez pudesse ter sido: uma coisa típica. O medo dos pobres é sempre a miséria.

P: Que não vai mudar…
R: Tão cedo, não. O nosso problema é o conservadorismo, a dificuldade de adaptação. Quanto mais depressa o mundo muda, pior é para nós. (…) Só talvez depois de a minha geração morrer se consiga melhorar alguma coisa.
(…)
P: Sem saber História não há sentido das proporções?
R: Não pode haver. Pegue aí num cacho de políticos e verifica que, desde o século XVI para cá, eles ouviram falar do Pombal, vagamente da República, do Salazar, do 25 de Abril e mais nada. Um ou dois mais sofisticados talvez se lembrem que existiu o Fontes Pereira de Melo, porque a certa altura era moda comparar Cavaco com ele. Os políticos, hoje, nascem sem passado, como se Portugal tivesse começado com eles, anteontem à tarde. Começam do zero. Sem referências. E acreditam no que lhes apetece ou lhes convém: nas coisas mais absurdas.
(…)

P: Já se habituou a que lhe chamem pessimista, catastrofista…?
R: E “velho do Restelo” e especialista em dizer mal e ácido e corrosivo e coisas assim. Idiotias. Um diagnóstico ou um prognóstico não dependem de um estado de espírito, dependem de um estado de coisas. Fora que parece que, na maior parte dos casos, acertei.

P: Antevê o fim do País?
R: Do País, não. Do Estado, deste Estado, sim: vai desfazer-se, vai degradar-se. Degradar-se em tudo: na saúde, na educação, na previdência, na polícia, etc, etc. E com o défice a aumentar, claro.
(…) Estamos a ser, pouco a pouco, Governo a Governo, empurrados contra a parede.


NAP