10 fevereiro 2005

INTIMIDADES PÚBLICAS


A
campanha eleitoral, aliás como se previa, tem sido fecunda em tudo menos em verdade. Não há dia em que não emirja deste espectáculo eleitoral um insulto, um comentário mais ou menos rasteiro, uma insinuação brejeira, ou se descubra muito a propósito uma qualquer ilegalidade realizada no passado pelos agora candidatos à cadeira de Primeiro-ministro.

No meio desta bacalhoada toda a insinuação que mais tinta fez correr (e mais fez dar à língua) foi a da suposta homossexualidade de Sócrates. Francamente a mim pouco me importa se o engenheiro é homossexual, heterossexual ou abstinente, não quero saber, não me importa, nem tem que me importar. Importa-me saber, isso sim, até onde se estende o meu direito a conhecer a vida de quem me vai governar e qual a fronteira de reserva de intimidade privada que os políticos, e neste caso, os candidatos têm como direito. A tarefa mais difícil será, talvez, a de delimitar a vida pública da vida íntima (ou privada), tal é a coincidência que por vezes se verifica entre ambas. Pergunto: o que é que um eleitor de boa fé tem direito a saber sobre os candidatos?

A pergunta não é simples, existem muitas zonas nebulosas, em que parece existir uma sobreposição entre o direito a saber e o direito a manter reserva. Pelo menos para mim tenho como ponto assente que temos direito a conhecer alguns aspectos. Acho pertinente que se conheça o percurso académico, o percurso profissional (e que tipo de profissional é), quais os cargos políticos que eventualmente tenha ocupado até então e qual a prestação nos mesmos… Julgo que nestas matérias estamos todos mais ou menos de acordo, mas outras existem que me deixam algumas dúvidas: suponhamos que algum dos candidatos foi preso no passado, e portanto tem cadastro, suponhamos que sistematicamente tem problemas com o fisco, ou então que tem um carácter reconhecidamente incapaz para gerir a coisa pública? Tratam-se de situações privadas ou públicas? Temos direito a saber ou não?

Tal como já referi anteriormente a orientação sexual influi no meu voto tanto como a cor dos olhos do candidato: é-me igual ao litro. E também não me interessa se o candidato é casado, é solteiro, se tem filhos ou não, se é mulherengo, julgo que são situações que estão bem no seio do direito de reserva da vida privada. Mas devo confessar que já me causa alguma espécie, para não dizer indignação, descobrir, por exemplo, que um candidato é um agressor doméstico (independentemente de se tratar de crime público ou não); que legitimidade (moral) teria um primeiro-ministro que prega a igualdade sexual quando chega a casa e bate na mulher (ou no marido)?

Certo é que a vida privada é frequentemente exposta pelos próprios (candidatos) no intuito de mostrar uma moldura familiar idílica, capaz de enternecer os corações dos votantes e fazer crer que está ali alguém capaz de governar, alguém com quem as pessoas se identificam. Mas a maior parte das vezes parece-me que trazer para a praça pública assuntos desta natureza mais não é do que uma tentativa (e quantas vezes bem sucedida) de achincalhar, deitar abaixo, jogar sujo e sem escrúpulos enquanto o tempo passa sem haver discussão de ideias e medidas concretas que é, afinal, o grande escopo de uma campanha.

NAP

3 Comments:

At 10 fevereiro, 2005 19:15, Anonymous Anónimo said...

Bravo! Finalmente algo diferente e um comentário lúcido neste blog..!

T.R.

 
At 17 fevereiro, 2005 16:26, Anonymous Anónimo said...

Olhe onde tá o pous?e o pnr? ninguém bota neles?

Quim Zé

 
At 17 fevereiro, 2005 16:27, Anonymous Anónimo said...

Descurpe! era para comentar a sondage.

Quim Zé

 

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