30 agosto 2005

Quem não receia, fala assim...

O estado da educação, continuando os excelentes posts de JL, está a caminhar para o desprezível. A apatia e o conformismo são os ingredientes do presente. Alguns, dos que sabem e nada receiam, falam assim; deleito-me e compartilho este excerto, de um professor e soberbo pedagogo, Desidério Murcho.
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"O excelente cientista, professor e divulgador de ciência, Nuno Crato, publicou no jornal Expresso uma importante crónica intitulada "Gritando no Escuro...". Nuno Crato dá voz à sua indignação perante acções de formação de nulo valor científico ou didáctico, pagas com o dinheiro dos contribuintes, e através das quais os professores do ensino secundário progridem na carreira docente — além de serem dispensados das aulas para assistir a tais inanidades. O problema não é novo. Como escrevi num artigo publicado no jornal Público ("A Formação Contínua de Professores"), a ideia geral da formação contínua é boa e de prosseguir. Mas é necessário corrigir os disparates a que deu lugar. Não vou repetir as propostas construtivas apresentadas nesse artigo.
Contudo, vale a pena reflectir na razão de ser da crendice dos professores que foram assistir à inacreditável acção de formação que Nuno Crato denuncia. Afinal, trata-se de professores licenciados pelas universidades portuguesas. O que explica então que aceitem sem pestanejar os mais rotundos disparates? Como se explica que aceitem sem qualquer espírito crítico a pseudociência, a astrologia, a alquimia, as forças magnéticas da Mãe Terra e outras patranhas do género?
A explicação é simples: as universidades portuguesas não sabem formar os seus alunos. Os alunos decoram conhecimento empacotado, que repetem nos exames e trabalhos, mas não foram formados — nas humanidades até foram intelectualmente deformados. E este é o verdadeiro problema. Problema que não se vê quando se elege, para disfarçar, as chamadas ciências da educação como o inimigo a abater. O problema não é nem as ciências da educação, nem as acções de formação de banha da cobra. O problema é haver tantos licenciados que deveriam ter aprendido nas universidades a ter espírito crítico, mas que mal sabem articular um pensamento sofisticado e que vão atrás da primeira banha da cobra sonante.
Em suma, o verdadeiro problema da educação em Portugal é a falta de qualidade do ensino das nossas universidades. Na melhor das hipóteses, os estudantes saem dos cursos superiores a saber resolver meia dúzia de cálculos e fórmulas; mas não aprenderam o mais importante: não aprenderam a pensar, não aprenderam a exercer o espírito crítico, não aprenderam a ser intelectualmente autónomos. A generalidade dos alunos saem das universidades formados em plágio: aprenderam a decorar ou copiar o que dizem os manuais ou os textos das autoridades preferidas do professor, para despejar diligentemente nos exames e trabalhos académicos.
Enquanto não se encarar o verdadeiro problema não se consegue resolvê-lo. Nenhuma reforma do ensino pode vingar se ignorarmos o ensino superior. A reforma do ensino superior é uma condição necessária para a reforma do restante ensino, porque é o ensino superior que dá formação, directa ou indirecta, aos professores do secundário e do básico.
Mais do que gritar no escuro, importa fazer algo em prol da qualidade do ensino superior (e é claro que há bons
exemplos disso mesmo, que são de saudar e estimular). Pois se os professores do secundário aceitam tão facilmente as cantigas do bandido, é porque nas universidades não receberam uma formação intelectual sólida — limitaram-se a aprender a repetir o que nem os seus professores entendem muito bem. Mas quem conhece a realidade sabe que a generalidade dos professores se está de facto nas tintas para aquelas acções de formação, ainda que se inscrevam nelas. Os professores precisam pura e simplesmente de créditos, e fazem o que lhes parece mais fácil porque muitas vezes não têm à sua disposição acções de formação de qualidade, das quais possam retirar benefícios científicos e didácticos óbvios. E este é outro problema cuja responsabilidade cabe às universidades. Muitos professores, esperançados, inscrevem-se em acções de formação cientificamente sérias, dirigidas por professores universitários, para depois verificarem frustrados que afinal é apenas mais do mesmo — mais formalismo oco, mais conteúdos para decorar que não se explicam e que nenhuma relação têm com as necessidades de ensino dos professores do secundário. Entre a chatice formalista e oca, e a palhaçada do Feng Shui, venha o diabo e escolha — e os professores escolhem.
Sem uma universidade de excelência não é possível ter um ensino de qualidade. Sem uma universidade de excelência não é possível também ter uma cultura política saudável, não é possível ter jornalismo de qualidade, não é possível ter empresários competentes — porque os agentes culturais, os jornalistas, os políticos e os empresários são formados nas universidades. (E, curiosamente, os melhores destes profissionais são os que mais mal dizem das universidades.) A excelência da universidade é um factor central no desenvolvimento de um país civilizado. E quando algo corre mal em qualquer um dos sectores atrás discriminados, é sinal seguro de que a universidade está doente e precisa rapidamente de ser reformada. A universidade não pode continuar a ser uma coutada de privilégios. Há uma responsabilidade social e um profissionalismo que as universidades deveriam exigir a si próprias. Se não o fazem, é porque são meras ilusões sem sentido, onde se arrastam vaidades fátuas sem futuro, como Eça de Queirós tão bem retratou."

Texto de "Desidério Murcho"
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PSB

5 Comments:

At 31 agosto, 2005 09:48, Anonymous Anónimo said...

Palavras para quê?
É português e fala do caso português!!!
Entretanto muitos outros se entretêm e divertem com o programa da recepção ao caloiro, da praxe, dos ralis das tascas, etc.
E o essencial passa-lhes ao lado. Como se nada estivesse a acontecer.
É o futuro que está posto em causa!

 
At 31 agosto, 2005 09:49, Anonymous Anónimo said...

Excelente artigo, não haja dúvida! Contudo, penso que os alunos têm um papel também importante na sua educação e, por vezes, eles próprios escolhem os caminhos mais fáceis, preferindo acabar o curso a qualquer custo a aprender alguma coisa.
É realmente urgente mudar o ensino universitário em Portugal, mas é igualmente necessário que a comunidade estudantil se mentalize que, sem trabalho, nada se faz.

 
At 02 setembro, 2005 10:13, Anonymous Anónimo said...

MANIFESTAÇÃO EM FRENTE À ESCOLA DE DIREITO CONTRA O ACTUAL ESTADO DE DESPOTISMO NO NOSSO CURSO!
DIA 1 DE OUTUBRO CHEGA A HORA DE DIZER BASTA!
CONTRA A DISCRIMINAÇÃO!
CONTRA A FALTA DE QUALIDADE DO ENSINO!
CONTRA OS ACTUAIS CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO E A FALTA DE DIVULGAÇÃO DOS MESMOS!

PARA JÁ SOMOS MUITOS...CONTIGO SEREMOS MAIS!

PASSA A PALAVRA.

COMPARECE....OU CALA-TE PARA SEMPRE

 
At 02 setembro, 2005 12:11, Anonymous Anónimo said...

até que enfim!

 
At 29 outubro, 2005 07:54, Anonymous Anónimo said...

Last night I dreamt we simply need to realize to make peace on earth. Why am I talking about Genes, you ask. Fair enough. I will let you in on a secret. Back in school I loved movies. Lucky me, huh? And here's the gist; But something felt awkward. I stumbled upon happiness. Big Tit Patrol | Bus Stop Whores |

 

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